

Os livros de Ayn Rand venderam mais de 30 milhões de exemplares, dentre eles, A Revolta de Atlas foi eleita a segunda obra mais influente dos Estados Unidos. Mas, apesar de muito lida, alguns pontos da obra da autora são pouco compreendidos.
Um deles é a sua rejeição total ao altruísmo. Segundo ela, este é incompatível com a liberdade, com o capitalismo e com os direitos individuais. Inclusive, Rand definia o conceito como: “o mal por trás dos piores fenômenos atuais”.
O termo altruísmo foi criado pelo francês Auguste Comte, pela crença de que “os únicos atos verdadeiramente morais eram os que buscavam promover a felicidade de outros”.
No catecismo positivista, fica implícito que esse conceito “sanciona diretamente nossos instintos de benevolência”, e, portanto “não pode tolerar a noção de direitos, pois ela é parte integral do individualismo”.
Para Comte, qualquer ato realizado por qualquer razão que não seja o bem estar do próximo não é moralmente justificável. Por exemplo, fazer uma doação com abatimento no Imposto de Renda eliminaria o seu valor moral.
Da mesma forma, isso também ocorre se a doação for motivada pela crença de que “tudo que vai, volta”. Algo tão inocente como sentir prazer em fazer o bem é condenável pelos padrões positivistas.
Até mesmo “amar o próximo como a si mesmo” não é moralmente justificável segundo a definição comtiana. Conforme o escritor americano George H. Smith resumiu, deve-se “amar o próximo mais do que a si mesmo”.
Atualmente, o termo altruísmo assumiu diferentes conotações. Uma delas, o define como uma espécie de sinônimo de generosidade. Porém, comparar a rejeição de Rand a ataques frontais à atual definição é um grande equívoco.
Segundo o professor de filosofia da Universidade de Auburn Roderick Long:
“… mesmo sendo um pouco complexa, sua retórica sobre a “virtude do egoísmo” […] não defendia a busca do autointeresse à custa dos outros […] Rand rejeitava não apenas a subordinação do seu interesse aos interesses dos outros (e é isso, em vez da mera benevolência, que Rand chamou de “altruísmo”), mas também a subordinação do interesse dos outros aos seus.”
A escritora norte-americana de origem russa rejeitava veementemente o altruísmo comtiano pela exigência de uma abnegação total e seu consequente efeito prejudicial ao bem estar próprio de qualquer indivíduo.
O princípio básico do altruísmo é o de que o homem não tem direito de ser um fim em si mesmo, que sua existência só se justifica no serviço ao próximo, e que o autossacrifício representa o mais alto nível de dever, virtude e valor moral.
Na prática, Rand se opunha totalmente a essa invalidação do significado do indivíduo. Logo, em resposta às exigências de Comte, ela escreveu a obra “A virtude do egoísmo”.
Além de exigir que as pessoas desprezem a si mesmas por um ideal inatingível, o altruísmo comtiano é claramente contraditório. Afinal, você não pode se sacrificar completamente por mim ao mesmo tempo em que me sacrifico completamente por você.
Rand afirma que dar mais atenção ao seu próprio bem estar – ou seja, mais egoísmo – é a única forma de reconhecer o valor verdadeiro de cada indivíduo e de sua vida.
Assim, o dever de colocar os outros em primeiro lugar nega a autopropriedade – e o poder de escolha que deriva dela. Todo mundo faz reivindicações ilimitadas sobre todo mundo, sobrepondo quaisquer direitos que possam ter como indivíduos.
Em contraste, benevolência envolve a decisão própria e a voluntariedade do indivíduo em beneficiar os outros. Por esse motivo, Ayn Rand também fez críticas à equiparação de altruísmo à benevolência.
O ponto-chave é a diferença entre o critério individual de benevolência (que reconhece nossos direitos sobre nós mesmos e nossos recursos) e a exigência incondicional do altruísmo de se sacrificar pelos outros.
Para tanto, o dever onipresente do autossacrifício também torna as pessoas vulneráveis à manipulação dos que consideram o poder sobre os outros um meio “justo” para atingir algum objetivo nobre.
Sobre esse ponto, Rand afirmou:
Aqueles que dizem primeiro “é egoísmo buscar seus próprios desejos, você deve sacrificá-los aos desejos dos outros” terminam dizendo “é egoísta defender suas convicções, você deve sacrificá-las às convicções dos outros.”
A chave aqui é a crítica de Rand à noção de “dever”:
Quando A precisa de algo na opinião de B, e C, que pode fazer alguma coisa a respeito, se recusa […] C é ridicularizado como “egoísta” por não apoiar a causa de B. O falso silogismo é que “C não está cumprindo seu dever aqui. Então, C deve ser obrigado a cumpri-lo.” […] Esse silogismo é uma ameaça, como um porrete nas mãos dos que desejam fazer o “bem” usando os recursos de outra pessoa, e consideram a coerção um mecanismo aceitável para tal.
Impossível e contra a liberdade, o altruísmo, portanto, não é um guia digno para a moralidade. Para Ayn Rand, devido à sua definição, a visão comtiana impôs danos gigantescos a um grande número de pessoas ao longo da história.
Além disso, a autora nos lembra da importância da proteção contra a ameaça potencial de coerção por trás de toda exigência altruísta imposta sobre nós. Essa defesa se baseia na proteção dos direitos individuais.
Ao tratá-los como fundamentais, o poder de escolha sobre as próprias vida e propriedade é aceito como legítimo. Assim, há prontamente rejeição da ideia de que “a não ser que o ato envolva autossacrifício, não possui nenhum significado moral”.
Em suma, a liberdade só pode ser mantida sem a violação coerciva dos direitos. Logo, conclui-se que, os arranjos voluntários dos indivíduos, incluindo atos de caridade, criam um mundo muito melhor do que a opção comtiana.
Originalmente publicado em FEE. Traduzido por Gabriel Poersch e Matheus Pacini para o Objetivismo.com.br